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Remedeios é fácil de entender. Está escrito a 2 cores, 2 vozes. Quando uma voz inicia, cabe à outra terminar. O compromisso é só um: manter as versões iniciais (originais) intactas. Fora isso, as vozes (as 2 e todas) que se entendam.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

#3 - fila ao passado; sonhos

Era uma fila. Fila de anónimos. Foram chegando aos instantes, de cada um, claro. Estavam em revolta (era o que os unia). Pediam o que era seu, o que era justo. O que lhes tinha sido tirado sem autorização. Haviam todos, cada um em sua casa, decidido só regressar com os seus respectivos pertences de outrora, chamados sonhos.

A fila tinha-se dado porque no dia antes, ou melhor, na noite do dia anterior haviam sonhado, em impulso, com estranhos a invandirem a sua vida/sonhos que haviam sido depositada/os no passado. Levaram então a sério o sentimento de roubo; acordaram, confiaram no sonho, e foram.

Contrariamente, minutos depois da fila se formar, um outro anónimo que caminhava pela fila, fitava-os nos olhos e de bom passo, com postura de bem estar, tinha ao alto, seguro pelas suas mãos um papel com o escrito: - Eu confiei aí os meus sonhos e acredito.

Ouviram-se sussuros. Acredita!? Mas acredita em quê? Acredita que os sonhos devem ficar fechados, guardados, inalcançáveis, não vivenciáveis, remetidos ao passado? E que fazer com esta condição? Confiar no sorriso à ilusão de uma vida que não o é ou no choro àquilo a que não se conseguiu chegar. Não…. Na fila o sentimento era outro… haviam acordado. E queriam seguir par a par: sonho e vida, vida e sonho. Remodelando-se. Remediando-se.

Do fim da fila alguém gritou que os sonhos de cada um não podem ser confiados a nada nem a ninguém. Do início alguém respondeu que não se deve viver a vontade alheia. Do meio surgiu a voz – Confio a mim os meus sonhos, e vivo!

Saindo do anonimato, direccionada ao futuro, levando no ser o passado, a fila dispersou.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Dúvida #1

Haverá maior perda de tempo do que o tempo que passamos à espera que o tempo passe?

Não.

E sei que o tempo não nos fala,
nem em silêncio.

Mas sei também,
que tudo nele me diz: lembra-te!,
que ele não espera por nós.




terça-feira, 11 de setembro de 2007

#c - o que não tem remédio...

Joie de Vivre - Pablo Picasso

...chama-se na verdade, encantamento. Como se fossemos objectos de dança de alguém que só toca na sua flauta quando bem entende.

E portanto, o que não tem remédio, nem milagre à beira, e de nós faz meros objectos,
silencia-se.

Os contos encantados já eram.



domingo, 9 de setembro de 2007

#b - Quando devemos tapar o sol?

Paul Chesley


Quando for tarde demais.
Só aí teremos plenas e absolutas certezas de que não era sol para nós.

Até lá, à cautela, usemos óculos.

Protegem, disfarçam ou mesmo combatem
o que nós próprias, não conseguimos.

#2 - respirar

Subiu à torre da igreja e gritou em consonância com o sino. A libertação de energia em forma de vibração foi imediata. E o alívio também. Tudo porque naquele dia crescia no seu interior uma vontade maior que ela própria.

O sino revelava e noticiava a morte de alguém e faziam-se as 10h da manhã. Hora em que, em todos os dia da sua vida, ela se guardava, em casa, para fazer o pino sem encosto algum. Chamava a este acto fisico e ginástico: análise crítica de si.
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Assim se descrevia o acto -
De cabeça quase colada ao chão, naquela posição contrária ao corpo humano erectil, à conversa consigo própria, agendava o seu comportamento diário, verificava erros e detectava as suas oportunidades. No final do processo rotineiro deixava-se cair para trás, fazendo a ponte entre os seus extremos. O ponto de equilíbrio nunca foram os extremos, sabia. Com um dos extremos andava, com o outro pensava. A base variava consoante se exigia. Nem sempre eram os pés. Às 10h da manhã a sua base nunca eram os pés. A ponte em que se instalava, no final, recebia a energia de ambos os extremos do corpo que tocavam o chão e unia-os. Tornava-os fortes, capazes, astutos, racionais, equilibrados e definidos.
Nunca o coração poderia ser extremo, claro está - tudo demasiado paradoxal, tudo demasiado arbitrário no seu coraçao, no de todos também.


Mas esse dia, o dia em que subiu à torre, seria certamente diferente e único. Ela tinha quebrado o seu maior hábito, aquele que era o pai dos outros, da sua vida metódica e matemática. Ela tinha optado por gritar no cimo da torre da igreja ao invés de se inverter. Às 10h da manhã.

E o sino permanecia sonoro. A vontade maior que ela própria aumentava cada segundo mais.
Estranhou pois o seu comportamento, mas sem manifesto. Era apenas uma franca constatação. De mudança talvez. De natural, quiça.

Em simultâneo ao grito, o sentimento suão dentro dela crescia mais e mais. Libertando os seus sentidos, alargou horizontes e percorria-se no exterior do seu corpo.
Ao acto solene, juntou-se o ganir de um cão, que lá longe, se libertava também e acompanhava o sonoro sino. Era demasiado intenso o ganir para não se fazer notar. A seu tempo, deixou o ganir do animal falar-lhe. Era-lhe ligeiramente familiar o som e verdadeiramente triste.

Estranhou novamente. E constatou mais uma vez, agora com um manifesto que a acordou: o animal que gania era o seu cão. Um cão que tinha ficado sem o elo de ligação mais forte - troca de experiências afectuosas. E, sem mais, sem pulmões vivos, porque havera morrido, respirou.

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Mas afinal, nada disto era inesperado. Em caso algum, nos seus dias passados, a sua vontade tinha tido vida.

sábado, 8 de setembro de 2007

#a - girândola de ?

Daudi Karungi
...preconceitos. Qual é a sua sombra?

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

#1 - aceitar; admitir, reconhecer

Confrontou-se diante do futuro e o ontem surgiu. Girou sobre o seu futuro, 175 graus sobre o amanhã, e caminhou. Decidiu pois, não tomar o mesmo caminho que o seu passado já percorrera, ainda que com rumo igual (entre os 90 e os 270 graus o rumo mantém-se, ainda que variando visões, supunha ela). Deixou 5 graus de espaço do seu percurso passado - 180 graus. Distanciavam o passado real do passado percebido por ela, esses 5. A continuar na linha dos 175 graus, quando chegasse ao final do seu passado, estaria suficientemente longe dele, para o poder encaixar, compreender e aceitar. Regras da matemática aplicadas. Esta era, achava ela, a melhor estratégia de ataque: A visão do seu passado de um outro ângulo. Definiu-a para não se despersonalizar, mas sim aceitar. (TL)
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E iniciou a caminhada. Ao primeiro passo deteve-se. O caminho dos 180 graus levou ao hoje. O hoje foi igual a um ontem que não admite uma terceira repetição. Mas o percurso, na maioria das vezes, não é o mais importante para chegar à etapa seguinte. Quando atingimos o limite do circulo não é preciso parar, podemos começar a percorrer a circunferência até atingirmos o ponto que tudo fizeramos para evitar. E a inevitabilidade acontece. Perguntou-se então se valeria a pena investir naquela caminhada rectilínea, não se permitindo uma rotação, ainda que mínima. Perguntou-se se é possível mudar o que queremos ser, e concluiu que temos de começar por mudar aquilo que acreditamos ser. Sorriu. E começou por aceitar o passado como vida, desprezando a necessidade da fuga. Sorriu, e definiu o sorriso como a sua meta. Uma meta não a alcançar, mas a manter. Fechou os olhos, saiu da linha e girou aleatoriamente.(Suhl)